sábado, 21 de novembro de 2009

Como ajudar à família quando morre um de seus membros? Na busca de responder a tal questão trazermos à reflexão o conceito de família e a partir deste, discorremos sobre a vivência de perdas na família por morte, para, então, refletirmos sobre as intervenções necessárias para o auxílio da família enlutada.

Osório (2002), nos fala que:

Família é uma unidade grupal na qual se desenvolvem três tipos de relações pessoais-alianças (casal), filiação (pais-filhos) e consangüinidade (irmãos) - e que, a partir dos objetivos genéricos de preservar a espécie, nutrir e proteger a descendência e fornecer-lhe condições para a aquisição de suas identidades pessoais desenvolveu através dos tempos funções diversificadas de transmissão de valores éticos, estéticos, religiosos e culturais
(p. 15).

Para o homem, bem como para os outros animais, a família tem a finalidade biológica de conservar a espécie, como também é um grupo que forma pessoas e essas pessoas criam vínculos que lhes são específicos, originando a partir daí a cultura (Osório, 2002).

Sendo assim, Osório (2002) assinala que devemos nos inclinar para a família como um lugar importante, um espaço que as pessoas têm para depositar seus afetos e desafetos, e por isso mesmo, podendo superar conflitos advindos do existir humano. Logo, refletir sobre a família é uma tarefa importante e que deve ser feita por todas as pessoas. O autor destaca que:

A primeira e fundamental função psíquica da família é prover o alimento afetivo indispensável à sobrevivência emocional dos recém-nascidos. Esse alimento, contudo, é igualmente indispensável para a manutenção da homeostase psíquica dos demais componentes da família. (p. 20).

Dessa maneira, podemos compreender que na família existe uma rede de relações e as pessoas que fazem parte dessas relações sofrem reações diversas frente ao mundo vivido, frente às várias questões existenciais apresentadas, sendo a morte uma delas. Podemos compreender que as reações são diferentes exatamente porque o homem percebe o mundo de maneira única, cada um tem um modo particular de se relacionar com a vida (Abbagnano, 1994).

Toda família tem uma dinâmica que lhe é peculiar e como grupo é sabido que as pessoas exercem funções diferentes e tanto a inclusão de um membro, como também a sua ausência, ou retirada, gera mudança que repercute em cada um de forma bem singular. As mudanças, a ausência ou a inclusão vivenciada na vida faz parte do movimento da própria vida, a vida está em constante fluidez, tudo transita, e isto são características essenciais do existir humano. Pensando em transitoriedade, pensa-se no sentimento de angústia que Critelli (1996) nos fala, logo o sentimento de angústia pode estar presente no coração do enlutado, uma vez que ele vivencia o não ter mais aquela pessoa por perto, tendo que aprender a viver sem ela e se adaptar a nova situação que a vida lhe apresenta, tendo então que se desalojar, que sair do lugar conhecido para outro que ele não conhece.

Bromberg (1996), define família como um grupo familiar, considerado como um sistema que se inter-relaciona com sistemas mais amplos da comunidade, da sociedade e da cultura.

Kübler-Ross (1998), compreende que assim como quem está à morte, a família também vivencia as mesmas etapas quando se tem um diagnóstico de doença incurável, ou seja, a morte repercute na família e a forma de enfrentamento é relativa e dependerá da qualidade do vínculo estabelecido entre os membros da família. Sendo comum acontecer uma desorganização na dinâmica familiar (Kovács,1992).

Bromberg (1996), define o luto como uma situação de crise, pois compreende que acontece uma desorganização, um desequilíbrio no campo familiar que solicita logo uma ordem familiar, exigindo que a refaça tanto no aspecto relacional como também emocional. A crise acontece exatamente porque no mesmo instante que os membros familiares estão enfrentando o processo de luto, estão também tendo que continuar suas vidas, continuar nos seus papéis sociais. Sendo necessário então um rearranjo familiar, mudanças de papéis vão se estabelecendo na vida e conseqüentemente, novas identidades vão sendo criadas.

Os familiares exercem uma força e um papel importante para quem está à morte, e se quem está à morte perceber a harmonia em casa, perceber que os parentes continuam dando andamento aos seus projetos de vida, que a doença não está paralisando a vida dos membros da família, isto é tido como um fator positivo e tranqüilizador (Kübler-Ross, 1998). Sartre (2001) nos fala que as escolhas realizadas constroem quem somos, pois as pessoas são livres para fazerem suas escolhas na vida, bem como são responsáveis por elas ( http://wikipedia.org/wiki/jean-paul-sartre) logo se quem estar à morte reconhece que fez boas escolhas, existe, deste modo, mais probabilidade de satisfação e a forma de lidar com a morte torna-se também mais tranqüila.Por sua vez, existe mais possibilidade de haver uma acolhida positiva dessa situação de luto dentro da família.

Estando a família reagindo satisfatoriamente à perda ou à possível perda, no sentido de enfrentar a dor e, ao mesmo tempo, seguir em frente com a própria vida, paralelamente acontece um processo adaptativo diante de toda situação de luto, seja da morte concreta, bem como na vivência de luto antecipatório, onde a perda vai se dando aos poucos, no próprio processo de doença, por exemplo (Kübler-Ross, 1998).

Walsh e McGoldrick (1998) revelam que a adaptação não quer dizer necessariamente resolução ou aceitação da perda, mas sim apreender novas maneiras de viver e funcionar na vida, onde aquele que morreu não está mais presente, sendo então necessário seguir sem ele.

O sofrimento precisa ser tolerado nos enlutados, eles precisam de apoio e solidariedade, que podem muitas vezes ser suficientemente afirmados pela companhia silenciosa, empática e atenta. O luto é um processo de organização, de transformação, em que não há o apagamento ou a resolução de uma crise, mas uma adaptação (Casellato, 2005, p. 42).

De acordo com o pensamento de Bromberg (1996), quando se consegue elaborar bem a morte, no sentido de encará-la, de sentir a dor da perda, de se permitir falar sobre o que se sente, consegue-se melhor pensar na vida e vivê-la.

Os autores ainda acreditam que alguns pontos são considerados essenciais para uma boa adaptação na família durante ou depois da vivência de perda por morte, inicialmente podemos citar o reconhecimento da morte e a experiência comum de perda, trazendo a importância de externar o vivido. Compreende-se que quanto mais pudermos ajudar os parentes a expressar suas emoções antes da morte do ente querido, melhor a família suportará e se organizará frente à ausência (Kübler-Ross, 1998).

O momento durante o processo do morrer é muito importante, pois é um período de preparação, de digerir toda as questões implicadas, o próprio ato de cuidar de quem está à morte pode ser um momento rico para ambas as partes, tanto para quem fica como para quem vai, pois pode se tornar um tempo de resgate de experiências anteriores, de compartilhamento de pensamentos e sentimentos, de perdão, de demonstração de afeto nunca ou pouco expresso e porque não dizer de cura de antigas feridas e por isso mesmo, pode gerar conforto para todos, uma vez que as coisas são ditas e sentidas, sendo o respeito e a dignidade elementos essenciais.

Kübler-Ross (1998), nos fala que o vazio sentido depois do funeral, quando já não existe ninguém, é um instante difícil e que a presença de pessoas queridas, ou de alguém que se disponha a escutar nesse momento é muito importante. Acrescenta a autora que o luto se estende e o tempo de elaboração desse luto é bem relativo e sobre isso destaca: “Deixem o parente falar, chorar ou gritar, se necessário. Deixem que participe, converse, mas fiquem à disposição. É longo o período de luto que tem pela frente”
(Kübler-Ross, 1998, p.184).

Bromberg (1996) diz que: “não falar de morte para uma pessoa que está morrendo e que nos pede para falarmos, é impedir o contato e deixá-la absolutamente só no processo de elaboração dos conteúdos desse momento” (p. 44). Essa fala, nos remete à importância da família acolher o ente querido no seu sofrimento, nas suas preocupações, podendo promover com isso uma tranqüilidade tanto para quem fica como para quem vai.

O estar disponível para acolher todas as expressões que possam surgir do enlutado, torna-se a ajuda mais valiosa que pode existir para a superação do sofrimento e da dor que a pessoa vivencia (Kübler-Ross, 1998). Esse pensamento nos faz lembrar das idéias de Hurssel, que compreende que só existimos numa relação (Holanda, 1997). Somos seres de relação, precisamos do outro para nos reconhecer enquanto sujeitos, não permitindo que a relação se estabeleça, não havendo, por exemplo, a escuta necessária, o homem fica desamparado, abandonado, e por que não dizer, morre-se um pouco.

A verdade torna-se um ingrediente fundamental para o reconhecimento da perda e posteriormente para uma boa resolução do luto. E, para haver verdade, é necessário existir também comunicabilidade, abertura para a conversa franca, sendo estes quesitos responsáveis pelo fortalecimento da família, na medida que podem fortalecer os vínculos. Ainda sobre a importância da comunicação, é importante lembrar que se o luto parental é bloqueado existe mais probabilidade de um filho apresentar, por exemplo, sintomas negativos posteriores (Walsh & McGoldrick, 1998). E sobre isso os autores afirmam o seguinte:

Um membro pode expressar toda a raiva pela família, enquanto outro fica em contato apenas com a tristeza; um demonstra apenas alívio, o outro fica entorpecido. Quando a família é incapaz de tolerar sentimentos, um membro que expresse o indizível pode virar o bode expiatório ou ser excluído. Além disso, o choque e a dor de uma perda traumática podem despedaçar a coesão familiar, deixando os membros isolados e sem apoio em seu sofrimento (p. 36).

A má-elaboração da perda pode impedir a construção de novos relacionamentos, tornando a pessoa resistente para se abrir para novas experiências (Walsh & McGoldrick, 1998).

A forma como se morre influencia diretamente na forma de viver o luto. Walsh e McGoldrick (1998) apontam variados padrões que podem complicar a adaptação da família frente à vivência de alguma perda.

Os autores compreendem que na morte repentina, por exemplo, falta tempo para se preparar para a perda e conseqüentemente, para se despedir. Já quando a morte se dá depois de um período prolongado, existe todo um cansaço pela própria tarefa do cuidar e, por vezes, as necessidades da família ficam tão centradas no doente que as necessidades dos outros membros correm o risco de ficarem em segundo plano. Na vivência de morte prolongada, quando a morte acontece, pode existir uma sensação de alívio e por isso mesmo, também pode advir a culpa.

Os autores citam também a perda ambígua, quando um ente querido está psicologicamente presente, mas fisicamente ausente, gerando muito desconforto e agonia para os familiares ou, ao contrário, quando o membro está fisicamente vivo e psicologicamente morto, como por exemplo, no caso de doenças degenerativas, sendo importante ajudar a família a lidar com esse tipo de perda tomando cuidado para não excluir a pessoa do convívio familiar e da própria vida.

Sobre a morte violenta, o efeito numa família pode ser algo aterrorizante e traumático, podemos citar as mortes ocorridas no trânsito, homicídio, numa situação de guerra, entre outras. Sobre isso os autores esclarecem que quando a morte se dá prematuramente, parece que o sentimento de ter sido injustiçado pela vida vem fortemente, como se a pessoa não tivesse vivido tudo que se tinha para viver e junto com a ausência, está a morte também de expectativas, de sonhos, de desejos que foram interrompidos, gerando com isso muita frustração e dor (Walsh & McGoldrick, 1998).

Buscar compreender o sentido da perda na vida das pessoas daquela família que vivencia um processo de morte é uma tarefa muitíssimo valiosa. E, esse entendimento deve ser sempre apreciado levando em consideração o contexto apresentado e o lugar que as pessoas exercem dentro daquele grupo familiar. Ressalta-se a importância da comunicação com verdade, da escuta que acolhe o sofrimento vivido, sendo imprescindível a presença do respeito e da dignidade, elementos essenciais para o nascer e para o morrer.

Sendo assim, as pessoas vivem suas dores de maneira individual, havendo pouco espaço para o compartilhar, para o estar-com e isso parece ter relação como o pouco espaço que as questões subjetivas têm na vida das pessoas, o que reflete necessariamente na postura da sociedade diante da doença, da perda de um ente querido, quando as pessoas escolhem muitas vezes objetivar a situação de sofrimento, lidando com muita praticidade, tapando buracos com medicações, revelando claramente que a morte não é bem vinda, tentando-se a todo custo estender a vida (Kovács, 1992).

Compreende-se que a angústia parece ser resultado exatamente da imprevisibilidade do mundo, dessa não fixidez com a qual a todo momento nos deparamos na vida. Logo podemos pensar que a angústia é constitutiva do humano, é uma condição do existir do homem (Critelli, 1996).

É importante construirmos espaços de reflexão em torno desse tema, promover diálogos, ou seja, dar cada vez mais lugar para essa possibilidade da existência: a morte. E, a partir disso, darmos lugar também à vida, privilegiá-la, celebrá-la, valorizá-la.

Bromberg (1996) ressalta que, a partir da morte, podemos re-significar nossa vida, transformar o nosso viver numa experiência mais cheia de sentidos e, por conseguinte, torná-la mais rica e mais valiosa.

Percebemos também, a partir da literatura estudada, o quanto a família tem um lugar legítimo ao abordarmos a morte. A família, enquanto grupo, tem toda uma dinâmica que lhe é peculiar, os membros de uma família estabelecem relações diferentes entre eles, por isso mesmo as pessoas reagem de maneira muito singular à vivência da perda dentro de uma família, estando a qualidade do vínculo construído totalmente associada à qualidade da dor sofrida num processo de luto, de separação.

Diante de tudo o que foi colocado, é sabido que viver a despedida é necessário e fundamental, até mesmo para que possamos cumprimentar outras situações que a vida nos apresenta e nessa suposta apresentação possamos dizer de coração: é um prazer lhe conhecer, seja bem vinda à minha vida.

Parece que tudo isso é necessário para que possamos viver e morrer em paz e isso tudo é válido e fortalecedor tanto para quem fica como para quem vai.

De repente de riso se fez pranto

Silencioso e branco como a bruma

E das bocas unidas fez-se a espuma

E das mãos espalmadas fez-se o espanto

De repente da calma fez-se o vento

Que dos olhos desfez a última chama

E da paixão fez-se o pressentimento

E do momento imóvel fez-se o drama

De repente, não mais que de repente

Fez-se de triste o que se fez amante

E de sozinho o que se fez contente

Fez-se de amigo próximo o distante

Fez-se da vida uma aventura errante

De repente, não mais que de repente
(Vinícius de Moraes)


Lecy Medeiros

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